Você gosta de vinho tinto mas não entende muito do assunto? Aprenda agora sobre os tipos de uvas do vinho tinto, uma aula sobre a variedade!
Nas rodas de apreciadores de vinhos (enochatos ou não), sempre rolam conversas a respeito dos melhores tintos e brancos de cada país. Muitas vezes, com preferências entre cada defensor. Muitas vezes uma discussão animada, quase um Fla x Flu etílico. E aí aquele cara que tá começando a beber agora fica meio sem jeito, muitas vezes só sabe falar daquele vinho chileno ou argentino que bebeu na ceia de natal ou no casamento de algum amigo. Been there, done that: quando eu estava me enveredando por esse ~enocaminho~ me vi nessa situação uma porrada de vezes. E vou compartilhar com vocês qual foi o caminho que segui pra me virar nessa situação: conhecer os tipos de uvas do vinho tinto.
O vinho é muito mais que somente a uva
Créditos: Oxana Denezhkina
Claro, um vinho não se resume pura e simplesmente a uva que o compõe. Tem uma infinidade de elementos que diferem um vinho top de um meramente esforçado. Principalmente de uma mesma uva. Mas se a gente começar ali na média, ou seja, tirando aqueles rótulos que custam dez pratas na promoção do Pão de Açúcar e aqueles vinhos mais elaborados de mais de R$150, dá pra navegar muito bem diferenciando cada um deles pelo tipo da uva.
Se eu deixar todas as outras variáveis importantes de fora (método de vinificação, tempo de guarda em barril, procedência do carvalho do barril, safra, etc), ainda assim eu posso ficar aqui escrevendo posts sobre formas de diferenciar vinhos até a Copa do Catar.
Já adianto que vou pelo menos dar uma força pra ajudar quem tá começando a beber e conhecer vinhos a pelo menos se virar no supermercado.
Começando com os tipos de uvas do vinho tinto
Pra começar, vinhos tintos: existe uma enorme variedade de uvas utilizadas para fazer bons tintos (mesmo com essa limitação de escopo que eu propus acima), e uma infinidade de variáveis que influem diretamente no resultado. Logo, você pode pegar uma uva mais conhecida (exemplo: Syrah) e ter vinhos custando R$20, R$200 e R$2.000.
Sem exagero. Quando estive em Montalcino, em 2013, fui numa loja querendo comprar um Brunello (um dos meus preferidos), e ao tentar filtrar por preço a vendedora me disse:
Temos Brunellos de 20 a 2000 euros
WTF! E isso não é simplesmente por uma questão de branding (que explicaria porque uma bolsa Louis Vuitton custa 50 vezes mais do que a Luis Vitão do camelô :D). Nessa conta entra a quantidade de uvas usadas para uma simples garrafa, a forma de prensagem, em que tipo de barrica fica estocado, o tempo de estocagem, e por aí vai. Tudo isso se traduz na complexidade do vinho. Voltarei a esses pontos num post específico (e aí falando de D.O.C., D.O.C.G., Reserva, Gran Reserva, etc).
Listando os tipos de uvas do vinho tinto
Créditos: shaiith
Sendo assim, vou abordar as principais uvas (e suas combinações) que produzem bons vinhos aqui nas Américas (ou seja, vou esticar o papo até a Califórnia).Vamos a elas:
Vinho tinto Cabernet Sauvignon
É com certeza a uva mais difundida nas Américas (e talvez no mundo). De origem francesa (da região de Bordeaux), costuma produzir vinhos bem encorpados e adstringentes (aquela sensação de aspereza após o gole, tipo ao se comer uma fruta com cica), consequência de concentração densa de taninos.
Por conta disso, além de render varietais (leia-se vinhos feitos somente de um tipo de uva), a cabernet sauvignon é muito usada em cortes (vinhos mesclando uvas de características diferentes para um determinado resultado almejado pelo enólogo).
Quase sempre, essa quantidade toda de taninos confere ao vinho um bom tempo de guarda – e para esses se aplica a máxima do vinho que melhora com o tempo. Seu aroma muitas vezes remete a amoras, e nos vinhos guardados há mais tempo remete a couro cru.
Eu sinceramente não vejo muita diferença entre vinhos cabernet sauvignon varietais aqui das Américas. Quando opto por um vinho dessa uva, presto atenção naqueles outros fatores que citei lá em cima (tempo de guarda recomendado, tempo que passa em barrica, etc).
Vinho tinto Merlot
Uva bastante difundida por aqui, também originária de Bordeaux. Na minha humilde opinião, é a uva tinta que melhor se adaptou ao Brasil (costumo dizer que temos a referência dos malbecs argentinos, tannats uruguaios e merlots brasileiros).
Costuma produzir vinhos bastante frutados, não tão ásperos como os sauvignons e consequentemente com menos tempo de guarda. Em contrapartida, são bastante saborosos e versáteis: enquanto se recomenda vinhos mais tânicos com comidas mais pesadas e gordurosas, costumo dizer que tintos leves como os merlots e pinots (vide abaixo) vão bem em qualquer ocasião.
Créditos: NICOLAI BÖNIG
Em Bordeaux, o corte clássico feito por eles há (literalmente) centenas de anos se baseia em combinar o cabernet sauvignon com o merlot, principalmente (além da cabernet franc, o chamado “corte bordalês”). Daqui do cone sul, eu confesso que dou preferência aos merlots brasileiros, por uma questão de custo-benefício.
Já bebi ótimos merlots chilenos e argentinos, mas acabo apelando pra um nacional: na minha opinião, você acaba pagando menos por vinhos de qualidade similar.
Vinho tinto Carménère
Uva muito semelhante a merlot, mas que resulta em vinhos bastante característicos. Durante muitos anos, pensou-se que essa uva estava extinta. Uma praga – a filoxera – dizimou vinhedos inteiros na Europa no século XIX até que conseguissem uma solução definitiva: enxertar vinhas europeias em raízes de vinhas americanas (imunes a filoxera).
Pelo que dizem, não sobrou nenhum carménère francês pra contar história. Até que em 1994 o pesquisador francês Jean-Michel Boursiquot foi estudar uma cepa de merlot que tinha tempo de maturação diferente no Chile, e descobriu que se tratava de cepas de da então extinta carménère (os Andes impediram que a filoxera chegasse aos vinhedos chilenos).
É mais usado para varietais, embora as vinícolas chilenas apresentem alguns cortes interessantes usando essa uva. Tem característica semelhante a merlot, mas talvez não tão versátil: além de também costumar produzir vinhos de sabor e aroma bem frutados, tem um gosto bastante característico.
Pra mim, literalmente um “tempero” próprio (um aroma de especiarias).
Vinho tinto Malbec
Uva francesa originária da região de Cahors, foi a que melhor se adaptou na Argentina, e por isso se tornou a uva principal para produção de vinhos por lá. Plantada por lá pela primeira vez em meados do século XIX, atingiu um grau de excelência ao final do século XX nas mãos do enólogo argentino Nicolás Catena Zapata, na altitude da região de Mendoza, produzindo um vinho 100% malbec.
Por conta do sucesso de Catena Zapata, a Argentina é reconhecida quase mundialmente como o país do Malbec (atualmente quase 60% dos vinhos produzidos com essa uva são argentinos). Os malbecs argentinos costumam ter um vermelho mais vivo (ao contrário do tom mais violeta de cabernets e merlots), com sabor marcante mas sem a adstringência dos cabernet sauvignons.
Créditos: Tony Priestley
O aroma remete também para a ameixa tal qual esse último. Acho que é uma das uvas com melhor custo-benefício (ali empatando com os merlots), em virtude do preço que os melhores vinhos argentinos chegam por aqui. Você encontra ótimos vinhos por menos de R$100 que muitas vezes foram muito bem avaliados por especialistas.
Existem também bons malbecs sendo feitos no Chile (em especial pela vinícola Viu Manent) e na Califórnia, mas na minha opinião não fazem frente aos bons malbecs argentinos.
Vinho tinto Tannat
Uva francesa originária de regiões próximas dos Pirineus, reconhecida por lá por ser muito tânica (daí o nome) e dar origem a vinhos bem encorpados, e por isso são mais utilizados para dar corpo a vinhos de corte (quase sempre combinando com uvas mais suaves).
Foi a uva que melhor se adaptou ao Uruguai, e por lá suas cepas não são tão intensas como no seu país de origem. Por isso, os produtores uruguaios vêm trabalhando para que os tannats varietais sejam reconhecidos como “o vinho nacional uruguaio”.
Costumam resultar em vinhos de violeta intenso, encorpados mas sem ser muito ásperos na boca. Aromas normalmente remetem a framboesa e mirtilo nos mais jovens, mas nos vinhos de guarda podem remeter a café e chocolate. Engraçado que quando fui no Uruguai pela 1ª vez e provei os tannats por lá, fixei na cabeça que eles eram os stouts dos vinhos.
Talvez por isso eu tenha uma boa lembrança deles 😀 Por lá é feito também um licor de tannat que eu gosto bastante, que lembra muito os vinhos do Porto (exceto pela maior acidez). No sul do Brasil também são feitos bons vinhos com tannat, embora eu ainda prefira os uruguaios.
Bom, acho que já dá pra se virar na seção de vinhos do supermercado, não? Mas ainda tem muita coisa boa pra falar de vinhos tintos dentro dessa proposta. Vou dar um tempo pra vocês beberem um pouco (e eventualmente deixar suas impressões aqui nos comentários), e daqui duas ou três semanas eu continuo.
Finalizando
Nos próximos artigos falaremos de outras uvas, com Syrah, Pinot Noir, Tempranillo, Cabernet Franc, Zinfandel, Gamay, Grenache, Bonarda, dentre outras.
Qual você gosta mais?
Créditos da foto de capa: Tatiana Bralnina