Dr. Scotch começa com o pé direito, num post muito no estilo do PDB, explicando muito bem a diferença entre os Scotchs citados. Belo leque de escolha.
Quando o Dono do Bar me convidou para escrever algumas linhas por aqui sobre um dos meus maiores hobbies, pensei em levar a proposta totalmente a sério. Incumbido de escrever algo sobre Scotch, pensei em redigir aos moldes do meu outro texto à respeito no Papo de Homem.
Entretanto, alguns dias depois o Papo de Bar foi ao ar e em pouco tempo pudemos perceber que esse ambiente é muito mais um bar do que um guia chato sobre bebidas alcólicas. Para piorar a situação, o Guilherme me motivou mais ainda à escrever em um formato diferente!
Vamos aos Whiskies
Lá vamos nós! Como todo bom escritor amador, vou iniciar meu ritual de fuga para o mundo onde vivem minhas idéias:
Eu já havia bebido vários tipos de Whiskies em suas mais variadas formas, sabores e procedências. Entretanto, exemplares menos comuns como os Johnnie Walker Green, Gold e Blue Label não costumam fazer parte do cardápio diário de cada Happy Hour. Logo, como não os bebia com uma freqüência elevada, durante o jejum entre uma ou outra beliscada acabava por não recordar as peculiaridades do sabor de cada uma dessas bebidas.
À partir disso, desenvolvi certa curiosidade sobre meu “apurado” paladar de degustador de Scotchs de final de semana. Me perguntava se conseguiria distinguir qualquer um dos Whiskies que já havia bebido em relação aos outros em um teste cego. Não sou um profissional, tenho certeza que falharia. Mesmo assim, nunca tive certeza se o meu paladar seria capaz de identificar todas aquelas dezenas de sensações presentes em um único blend como os especialistas dizem que fazem.
Em uma de minhas viagens, seguindo o hábito de sempre visitar casas de bebidas, vi de relance a reluzente caixa da Johnnie Walker Collection. Uma garrafa de 200ml de Black Label, uma de Green Label, outra de Gold Label e finalmente uma do especialíssimo Blue Label. Tudo saía por pouco mais de R$150, o que era muito atraente considerando que a minha intocável garrafa de Blue Label em casa custou mais de R$500. Comprei.
Finalmente, poderia encher quatro copos de Scotch, com os quatro mais renomados exemplares da mais famosa destilaria do planeta e, de quebra, satisfazer minha fantasia de tentar decifrar o código de cada blend. Foi muito difícil resistir à tentação, mas consegui manter minhas garrafas fechadas durante minha viagem de volta para finalmente iniciar minha degustação somente agora, logo antes de começar a escrever esse texto.
A análise que aqui se segue foi realizada totalmente sob influência. Peço desculpas por eventuais erros sintáticos já que os ortográficos estou confiando ao corretor automático.
Comecei a prova tentando notar as nuances no aroma de cada blend antes de efetivamente bebê-los. De cara percebi que o Black Label e o Green Label possuiam um cheiro acentuado de álcool, tal como a maioria dos Whiskies. Eu sentia uma sutil diferença entre eles, mas não consegui identificar.
Já o Gold Label, possuía um aroma muito mais suave e, realmente como alguns especialistas afirmam, pode-se sentir (beeeem de longe) cheiro de flores. O Blue Label é um fenômeno à parte: tenta nos ludibriar com seu aroma inacreditavelmente suave e agradável. Todavia, sua verdadeira vocação é desmascarada quando sentimos um leve ardor nos olhos denunciando o alto teor alcólico no perfume que desprende-se da bebida.
Comecei pelo Black Label.
Bebi de duas maneiras diferentes: a primeira em um gole único e rápido; a segunda tentando mantê-lo na boca enquanto o bebia lentamente na esperança de usar todas as diferentes glândulas palpativas da língua. Não funcionou muito bem já que quando o líquido chegava na metade da língua eu me descordenava e acabava engolindo tudo de uma vez só. Enfim, o blend é encorpado, forte. Meu sistema nervoso faz de tudo para avisar para o cérebro que o que está vindo possui um altíssimo teor alcólico (cerca de 40%). Depois de três ou quatro goles as partículas que compõem o blend passam a formar uma camada na sua língua que lhe imuniza daquela sensação de um rascor mais forte. Nesse momento, comecei a tentar entender o Black Label mas percebi que é muito difícil adivinhar o sabor de dezenas de coisas quando estão todas misturadas.
O Black Label é formado por 18 maltes distintos que juntos o tornaram um dos mais consagrados – e o mais premiado – Scotchs de todos os tempos. Não é uma bebida demasiadamente cara e sua elevada complexidade para um Whisky nessa faixa de preço justifica cada centavo investido. Aliás, é tão complexo, que não consegui distinguir porra nenhuma.
Recorri a cola, uma pequena descrição de cada uma das garrafas que vinha na caixa. Referia-se ao Black Label como uma bebida rascante devido ao corpo acentuado que muito lembra um blend queimado. Aha! Minha primeira conclusão: quando sentimos esse sabor forte de álcool em um Whisky, significa que é uma bebida que nos remete à sensação de um blend queimado. Além do mais, fiquei um bom tempo provando e reprovando o Black Label e tudo o que percebi é que sentia um mar de diferentes sabores mas não fui capaz de diferenciá-los. Fiquei um pouco triste.
Um de 15 anos porque eu também sou a favor do verde.
Esse deveria ser totalmente diferente de qualquer outro. É um Single Malt, isto é, formado por um único malte de uma única destilaria. Como o cheiro previamente denunciou, o sabor também era muito forte! Tal como o Black Label, o corpo é acentuadíssimo e senti aquele gosto pesado de álcool na boca. Denovo. No segundo gole ainda não tinha entendido nada desse Whisky. Segui tentando e tentando e nada. É simplesmente diferente, embora eu não saiba explicar o que tem de diferente. A cola dizia que também remetia à um malte queimado, que o sabor lembrava frutas suaves e envelhecimento em barril de carvalho. Vamos denovo: agora senti o sabor amadeirado! Mas só isso. Resumindo, essa bebida ainda é um mistério que requer uma garrafa inteira para ser desvendado.
Quem disse que o ouro é o dourado mais precioso?
O Gold é composto por um blend muito especial. Formado pelos melhores maltes que fazem parte do Black Label e que só podem ser encontrados durante um curto período do ano em uma região bem específica da Escócia. É óbvio que isso é marketing já que existem milhões de garrafas como essa sendo distribuídas, a todo momento, no mundo inteiro. Mesmo assim, o maior cuidado na fabricação e a melhor seleção de maltes justificam a disparidade de preço em relação ao Black Label.
Vamos lá. (Gulp!) Estranho, depois de ter provado o Black e o Green, senti o Gold absolutamente suave. Desceu macio e leve, sem pesar ou incomodar. Até agora acho que deveria ter limpado a língua para que o sabor não tivesse sido comprometido. De novo. Os sabores do Gold são muito mais evidentes e rapidamente consegui perceber um leve gosto de madeira associado à uma combinação de maltes adocicados (Quase lembra de longe um bourbon). Também nota-se com clareza que está ali há muito tempo o que corrobora o rótulo que indica 18 anos de idade. Lendo a cola, descobri que o Gold pode ser descrito como um Scotch envelhecido, suave e macio, que remete à sabores leves como frutas e flores. Fez sentido, gostei. Contudo, para o meu paladar ainda prefiro algo mais rascante e complexo como o Black Label.
Quem disse que só o tempo que é bom sendo azul?
Finalmente, o momento mais esperado da noite, o gran finale: Le Blue Label. O diamante da Johnnie Walker possui uma seleção de pouquíssimos raros blends em que nenhuma outra destilaria do mundo têm acesso. Quando Alexander Walker, ouvindo os conselhos do pai, destilou esse blend pela primeira vez soube de imediato que ganharia o respeito dos colegas. Chamou todos sues conhecidos degustadores de Whisky para provarem tal obra-de-arte. Até os dias de hoje a Johnnie Walker imprime no rótulo do Blue Label a frase “O blend a ser batido”. Nunca foi.
Paradoxalmente o Blue Label não é um Scotch muito premiado. A explicação é simples: os especialistas afirmam que existem muitos e muitos Whiskies quase tão especiais quanto o Blue Label, que custam menos da metade. O Blue jamais recebeu um prêmio de boa relação custo-benefício. Por outro lado é a mais pura verdade que em todos os poucos prêmios que já recebeu havia uma menção à “o blend que ainda não foi batido”. Para se ter uma idéia da exclusividade desse mito, a garrafa é numerada desde a fabricação da primeira unidade no final do século 19. Acreditem em mim quando afirmo que muito pouca gente durante a história da existência desse Scotch teve a oportunidade de apreciá-lo.
Repetindo o que acontece nas poucas vezes em que decido abrir a outra garrafa de Blue que guardo em casa, sinto um receio antes de colocá-lo na boca. Quero estar concentrado, pois penso que seria um crime contra tal obra prima desperdiçá-lo ao beber sem aproveitar todas as sensações de prazer que esse blend pode proporcionar.
Ao posicionar o copo para beber tive de fechar os olhos pois já senti o ardor que o perfume provoca enquanto aquele cheirinho agradável chega ao nariz. Ao começar a degustá-lo, de imediato, percebo que embora menos suave que o Gold, ainda é muito suave. Ao engoli-lo sinto um sabor forte de álcool o que mostra que essa suavidade só existe no curto período de contato inicial com a boca. Sei lá, não cheguei a conclusão nenhuma. É realmente um enigma embora eu perceba que há algo muito agradável que meu cérebro esteja tentando decifrar, mas é só. Sinceramente, talvez ele valha mais de R$500 quando eu realmente aprender a degustar um Scotch como um connoisseur europeu.
Whisky com charuto
Coloquei mais uma rodada de cada um para bebê-los, dessa vez, sem qualquer preocupação com as conclusões que tiraria sobre eles. Ao final da rodada já estava meio tonto e decidi acender um charuto Montecristo no.2 para acompanhar. Na terceira rodada, o habano suavizou todos os Whiskies, em especial o Gold e o Blue que agora pareciam ainda mais envelhecidos. A dobradinha mais famosa dos harmonizadores de charutos (Montecristo no.2 + Scotch) realmente não falha.
A minha conclusão é que embora não seja da noite para o dia que nos tornaremos especialistas aptos a discutir com master blenders sobre a qualidade de um Scotch, não significa que não possamos tentar chegar lá em curtas sessões de treinamento após o trabalho. Um bom Scotch não deveria ser usado para que nos embreaguemos, mas sim como um relaxante que faz as idéias aflorarem. Poucas coisas na vida me proporcionam mais prazer do apreciar um bom Whisky acompanhado de um habano ao som de Sinatra.
Se você acha que mal consegue distinguir um Chivas de um Ballantines, não desista apelando para o Red Bull e gelo. Continue bebendo, aos poucos, com cuidado e atenção até o dia em que será tomado por maravilhosas indagações quanto à complexidade de cada blend. Não sei se um dia conseguirei desvendar as minhas, mas garanto que continuarei tentando, até o fim!