O mundo curte uma superficialidade. O contrato que tenho na minha frente não me faz milionário, mas enche meu bolso de dinheiro. Dinheiro suficiente para sustentar vícios por anos.
O mundo curte uma superficialidade. O contrato que tenho na minha frente não me faz milionário, mas enche meu bolso de dinheiro. Dinheiro suficiente para sustentar vícios por anos.
Certa vez um advogado me disse: “o melhor contrato é quando as duas partes saem igualmente insatisfeitas”. Eles redigiram um contrato sem me consultar, então é a minha função encher essas folhas de infelicidades pra eles. Assim equilibra.
O contrato é simples: a editora quer lançar um livro de colorir com imagens da minha bunda. Seria parte de uma coleção de livros de “memes coloríveis”. Todo domingo no Estadão. Difícil escolha. Aceitar ou não faturar com a bunda?
– Quero que as fotos da minha bunda acompanhem meus textos.
A minha única exigência. Se pudesse, tatuava um livro inteiro nas nádegas. Esse limão da vida tem que servir pra algo. O destino é dose braba de engolir. Eles tentam mostrar as vantagens de expor minha bunda junto com os cadernos dominicais. Não adianta. Eu quero ser escritor, não um galã feio.
– Galã feio?! – me questiona o editor da coleção.
2021 e tem gente que ainda não entende essa expressão. É mais fácil um homem feio fazer sucesso que uma mulher bonita. Não faltam Adam Drivers no cinema, Latinos na música, ou Rodrigo Lombardis na TV. O padrão do homem bonito tem um sarrafo bem mais baixo se comparado com o padrão de beleza feminino. Modéstia parte, eu sou um Otto sem o glamour. E o Otto é um galã feio “de responsa”.
Não que eu faça sucesso com as mulheres. Na real, é o oposto disso. O único homem gordo que o Brasil respeita é o Faustão. O resto vira piada de comediante meia boca do Parafernalha. Porém, é mais fácil um homem gordo achar uma companheira que uma mulher dois quilos acima do peso ideal achar um namorado. Dói falar isso e deve doer mais ouvir. Desculpa.
Quero que a minha bunda seja um passaporte pro Nobel de literatura. O cuzão do Bob Dylan não faz algo bom desde Blonde On Blonde e ganhou um. Por que eu não posso? Se meu texto fosse ruim, eu teria feito homens comprarem absorventes? Pois é! Qualidades eu tenho. Poucas. Mas tenho.
Ao mostrar um texto para os editores, eles se empolgam. “Isso aqui dá caldo” – diz um dos homens. Eu conheço meu público alvo. Homem branco. Entre 25 e 45 anos. Classe média. Heterossexual. Eu posso vender livros ou eleger o próximo Bolsonaro. Eu sou perfeito pro Estadão.
O livro de domingo terá apenas fotos da minha bunda. O que eu ganho em troca? Terei uma coluna semanal durante um mês. A bunda abre caminho para minhas merdas serem expostas e já tenho que escrever uma coluna para semana que vem. Serão quatro textos. Todo sábado. As pessoas não costumam me ouvir porque eu sou chato. Agora eu posso ser ignorado em nível nacional.
Quem é que lê jornal nos dias de hoje? O mundo é superficial. Bastam manchetes. É por isso mesmo que a minha primeira coluna tem que ser um teaser da caças as bruxas. Algo que provoque a internet e gere uma condenação sem julgamento. Não importa qual seja a interação do público, você só precisa cutucá-lo. Brasil, segura essa! Tô chegando com uma caixa de absurdos. Uma mistura de Gentilli com Duvivier. Asneiras com arrogância.
Ao anunciar minhas péssimas intenções aos participantes da reunião, posso ver lágrimas de felicidades escorrerem pelos olhos dos presentes. Baixinho, o emocionado representante do jornal deixa escapar:
– Ele é capaz de fazer o Brasil ler.
E sou mesmo.