O DESTINO ABUNDA – Capítulo 4

Desde que saiu do Jornal Nacional e assumiu esse programa matinal, Fátima Bernardes está mais bonita e parece mais feliz. Só critico o look mulher barrense. A Barra da Tijuca é a estética mais feia do Brasil. É uma coisa meio milícia e Peggy Bund de “Married With Childrens”. Peggy é uma puta mulher. O problema é que ela é brega. Mesmo assim, Fátima é ótima no que faz.

O programa começa. Vim vender meu folhetim e divulgar minha arte. Francisco Cuoco do meu lado e Melim num palquinho. Fátima abre o programa, apresenta os convidados e já mostra a capa do meu folhetim (sim, a minha bunda com um absorvente interno enfiado no ânus) pra todo o Brasil.

A bunda mais conhecida do Brasil

Não que o Brasil não conhecesse a minha bunda. Antes de escritor, sou meme. Por isso mesmo, sou o tema do primeiro bloco. Mas Fátima Bernardes me dá uma rasteira:

– E o assunto de hoje é: absorvente bezuntado em cachaça e enfiado no esfíncter. Dá onda? Conosco está um homem que vende as fotos em bares dessa experiência que ele realiz…

Antes que Fátima termine, eu a interrompo. Pode parecer manterrupting, mas quando alguém, independente do gênero, fala de mim com pouco conhecimento, eu parto pro mansplaining sem dó:

– Ow! Fátima! Que papo doido é esse aí?!

Toda a formalidade da TV se desfaz com a minha etiqueta de boteco. Eu continuo:

– Eu não vendo a foto da minha bunda. Eu vendo meu folhetim. O DESTINO ABUNDA.

– Mas você acha que alguém lê as coisas que você escreve? – pergunta Miss Bernardes – As pessoas tão comprando a foto da sua bunda. Ninguém tem interesse no que você escreve.

A Fátima Bernardes dizer que ninguém tem interesse nos meus textos faz sentido e tem credibilidade. Eu não sou um Paulo Coelho ou Rubem Fonseca. Porém…:

– E quem teria interesse na minha bunda?!

Bela bunda, hein Cabral…

bunda pequena

Pra minha surpresa, às dez e meia da manhã, na TV aberta, Fátima Bernardes elogia minha bunda. Até o Francisco Cuoco tece elogios sobre minha nádega. Ainda assim, quero mostrar que sou mais que isso. A pessoa que senta na bunda é mais importante que esses glúteos maravilhosos.

Com vergonha de ver o Brasil me tratando como um pedaço de carne e objetificando meu corpo, apelo pras histórias que eu sei: “Cuoco, tu lembra que a gente se conheceu naquele puteiro em Ipanema e tu me chamou pra uma orgia regada a Red Bull e Viagra?” e “Melim, vocês se orgulham de Niterói ter roubados as praias de São Gonçalo?

Percebendo que eu sou um soldado que cai atirando, a Rede Globo vai para o intervalo e me tira do programa. Antes mesmo que o meu microfone seja desligado, meu telefone toca: é uma editora de livros.

Eu achava que minha bunda seria um empecilho para a carreira de escritor. A verdade é que um belo bumbum pode ser um passaporte pro sucesso no mundo das artes. Melancia, Urach, as Panicats… Veja quantos exemplos bons. A diferença é que a minha bunda é masculina, branca, hetero-cis-normativa. Agora é saber se isso facilita ou dificulta as coisas.

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