Foliões – Parte 2

Do Fanfarra eu não abro mão! Nathalia sabe que eu sou caucasiano por erro genético e conhece minha paixão por Black Music. Nada me anima mais que James Brown, Marvin Gaye, Otis Reeding, Bill Withers… Amo a velharia e que essas coisas novinhas não me atraem. Por isso digo que sou um homem de gosto refinado, que não consume qualquer coisa.

Nathalia não perdoa:

  • Mas você sempre repete que quem come de tudo, vive mastigando
  • Falo em outros sentidos, falo na gastronomia. Quem é enjoado come nada, por exemplo. – eu mando um truco
  • Antes da gente ficar, você falava isso sobre o sexo também – ela manda um retruco

xequerê

E é verdade. Fui um voraz leitor de Bukowski, James Joyce, Sade e Henry Miller. Foi lendo que aprendi umas paradas ruins sobre sexo. Some isso ao que a vida me ensinou. Adiciona um pouco de Band Privê, uma pitada de pornografia na época da internet discada… A receita ficou confusa, né? É um curry da perversão. É picante, tem cor, sabor, mas você não sabe direito o que faz aquela porra. Talvez seja melhor não saber.

  • Eu cheguei a falar isso pra você? – pergunto
  • Na minha frente e de todo o resto da galera.

Nathalia me conhece há tanto tempo que é mais fácil confirmar as coisas que ela lembra do que confiar na minha memória danificada. Pode parecer coisa de ficção, mas eu estava na festa de aniversário de um ano de idade dela. Mais de trinta anos depois, começamos a namorar. É como se apaixonar pela amiga. Ela sabe meus podres. Pena que eu esqueci os dela.

Sangue de raiva escorrendo

  • Pra piorar, você falou isso na frente daquela menina que você ficava.
  • Que menina?!
  • Menina foi um termo educado. Ela tinha uns cinquenta anos. – a raiva escorre pelo canto da boca

Para minha salvação, o bloco começa a andar. Fica difícil esconder minha empolgação. Eu ganho uma malemolência digna dos melhores baianos. Vou no ritmo e às vezes fora dele também. Eis que dois dedinhos cutucam meu ombro e arrancam minha atenção de Sexual Healing. É ela, com cinquenta e pouquinhos, cabelo amarrado, pele morena e cheia de pintinhas, roupa leve e aquele estilo de quem tá pouco se lixando em agradar os boys – e nada é mais charmoso do que uma mulher independente. Dou um abraço carinhoso e ganho um apertão na bunda.

  • Opa! Eu sou namorado dela aqui, ó. Nathalia! Nathalia, essa é a…
  • Eu sei quem é.

Nathalia e ela se cumprimentam com a mesma explosão de dois átomos de hidrogênios se colidindo. Eu sou apenas um espectador da minha desgraça.

  • Vocês são amigos desde a infância, né?
  • Sim. Há muito tempo juntos. Muito mesmo. – Nathalia 1, 0 pra outra.
  • É. A gente só viveu algo mais curto e muito intenso. – 1 a 1
  • É. Quem come de tudo, não para de mastigar mesmo. – 2 a 1.
  • Fazer o quê? Panela velha é que faz comida boa. – 2 a 2

As duas olham pra mim, como se eu fosse um voto de minerva da situação, me obrigando a tomar uma decisão sobre algo que nem precisaria ter decisão. Que posição eu deveria tomar? Olha, não me leve a mal, uma mulher de 18 tem o mesmo valor de uma mulher de 30 ou 60. Não importa. A carcaça não tem valor pra mim. Sempre gostei de boas conversas, companhias pra jantar, ir ao cinema e bloquinho. Sempre quis achar uma pessoa pra ser eternamente parceiro dela. Porém, contudo, todavia… eu sou guloso. Muito guloso.

  • Gente, tem Armando suficiente pras duas e vocês sabem disso. Pra que brigar?

De um lado a mão da Nathalia me acerta. Do outro, a cinquentona repete o ato. Cada uma vai para um canto. A Fanfarra Black Clube toca “Expensive Shit” do Fela Kuti. Nathalia foi embora com minha carteira.

Veja os outros episódios:

https://www.papodebar.com/folioes-parte-4/

Foliões – Parte 3

Foliões – Parte 1