Foliões – Parte 1

  • Amor, troca de roupa.

Eu já estava pronto pra sair e ela me larga essa. Minha fantasia de jogador de futebol dos anos 80 estava ótima. Shortinho curto e apertado, camisa do Botafogo de 89, peruca Black Power e o nariz sujo de pó (farinha de trigo, por favor). Minhas fantasias de carnaval elas trazem poesia. Quer algo mais anos 80 que o sofrimento do alvinegro e a cocaína?

  • Amor, sério. Esse short empiroca o ambiente – ela reitera

Ela tem isso comigo. Obliterou a razão e tomada pelo ciúme que sente por mim, Nathalia cisma em achar que minha genitália marca qualquer roupa. Se eu colocar um quimono, ela encrencará. Se eu usar um cinto de castidade, a ordem será a mesma.

Ela não desiste

abacaxi fantasiado

Chega!

Photo by Pineapple Supply Co. on Unsplash

  • Amor, troca de roupa a-go-ra!
  • Mas, amor, esse short faz parte da minha fantasia.
  • Não quero saber, ponha uma bermuda larga.

Homem esperto não desobedece a mulher e coloquei a bermuda. Pronto! Diante do espelho eu deixei de estar parecido com um Maradona e fiquei igual ao Marrentinho Carioca do Tabajara Futebol Clube.

  • Porra, amor, mas assim eu fico feio igual ao Bussunda.
  • Amor, tá ótimo assim. Todo mundo adorava Casseta & Planeta.

E lá vamos nós…

Feio – como quase sempre -, eu saí para o ensaio do bloco. Estava solteiro e esse será meu primeiro carnaval namorando após anos. Nathalia surgiu no Carnaval passado em 2017, mas a história é mais complicada e mais longa que isso. Por enquanto, basta saber que a gente se conhece desde nossa infância.

  • Amor, você vai mesmo de óculos escuros?
  • Já troquei de short. Qual o problema agora?
  • Quero saber pra onde você está olhando.
  • Só tenho olhos pra você, Nathalia.
  • Tira isso.
  • Mas tá um sol pra cada um lá fora.
  • Usa um boné.

Não sou bobo e coloquei um boné. Beleza nunca foi meu ponto forte, mas para cada peça de roupa que eu troco, fico pior. Não fiquei somente feio, fiquei com cara de um adulto com algum tipo de retardo mental. Camisa apertada, bermudão, meião, All-Star e boné. Só faltava babar.

Mentirosa…

palhaço

Tô bonito?

Photo by Tom Roberts on Unsplash

  • Tá lindo!

Ela sabe que essas mentiras me deixam felizes e saímos de casa na direção do último bloco de 2017.

Todo o Rio de Janeiro estava lá. A Orquestra Voadora tem esse poder. Um mero ensaio se torna num evento de milhares de pessoas. Enquanto caminhávamos, um rapaz bonito, com a minha idade, sai do meio da banda e se aproxima da Nathalia. Ele a cumprimenta, dá dois beijinhos, sorriem e eu só observo de longe, enquanto compro duas cervejas. Quando me aproximo, o rapaz dá um tapa na minha cerveja.

  • Rapaz, você não deveria estar bebendo! – ele me alerta, enquanto entrego a outra cerveja pra minha namorada, que ri da cena – Ele é seu irmão mongol?

A pergunta é tão ofensiva que fiquei sem reposta. Mesmo que eu fosse o “irmão mongol”, não é assim que se pergunta se o irmão é mongol. Existe uma delicadeza, um cuidado, um politicamente correto, que deveria ser respeitado.

  • Não não… – ela responde rindo.

Agora o ciumento sou eu!

Até então, eu vinha respeitando os ciúmes descabidos de Nathalia, mas, agora, sou eu a ter ciúme. Não que ela devesse contar aos quatro cantos do mundo que eu sou o namorado dela, pois não sou possessivo assim, mas quando esse mundo é um rapaz loiro, em forma, com português corretos, dentes perfeitos, olhos claros e músico da Orquestra Voadora, bem… nessa hora o mundo tem que saber que o Bussunda ao seu lado é o seu namorado.

Mas não! Nathalia emendou o papo como se eu fosse mesmo o “irmão mongol”.

  • E você? Como está?
  • Acabei de voltar do meu doutorado em Harvard.

Olha! Ele não é só um corpinho perfeito! Ele também é um cérebro diferenciado. E, diante dessa pouca vergonha, eu me mantenho calado, esperando que Nathalia, a ciumenta, demonstrasse algum apreço por mim. Mas não.

  • Por isso você tava sumido! A gente tem que marcar algo!
  • Claro! Muita saudade de você. Deixa eu anotar seu número.

No momento que ele buscou o celular no bolso, tirei a cerveja da mão de Nathalia e enchi a boca com aquela cevada morna, mas não engoli.

  • Pode falar o número.
  • Nove…

Como uma criança mimada, espirrei a cerveja em cima do celular do rapaz, que olha espantado pra mim, segurando o soco, com medo de bater no “irmão mongol” da mina que ele quer pegar.

  • Eu falo com você no facebook – diz o rapaz voltando pra banda e dando dois beijinhos na Nathalia e sem se despedir de mim.
  • Que maluco merda. Não vai me falar quem ele é? – eu desabafo.
  • Meu ex.

Veja os outros episódios:

https://www.papodebar.com/folioes-parte-4/

Foliões – Parte 3

Foliões – Parte 2