A descrição de uma experiência bem pessoal: a degustação da complexa e rara Cerveja Cantillon Kriek 2002 Lou Pepe (icone do estilo Lambic).
Falar de cerveja é falar de uma imensa variedade de estilos que diferem no amargor, aroma, corpo e teor alcoólico. Um dos fatores mais importantes para determinar as características da cerveja é a fermentação, originando as duas principais famílias de cervejas, as Ales e as Lagers, cujas características um bom apreciador não cansa de descobrir. Porém, mesmo provando grandes marcas Belgas, Alemãs, Inglesas ou Brasileiras, nada consegue nos preparar para uma modalidade exclusiva: o estilo Lambic, de fermentação espontânea.
Cervejas, Tipos e Personalidade
Fermentada naturalmente pelos levedos presentes ar de certas regiões da Bélgica através de uma receita secular que confere a cerveja características únicas. Dentro desse estilo, que não é Lager nem Ale, a Brasserie Cantillon, de Bruxelas, produz os melhores e mais singulares exemplares numa pequena quantidade anual. Beber uma Cantillon é uma oportunidade que não aparece sempre, ainda mais no Brasil, portanto custei a acreditar que o meu amigo Leonardo “Leo” Oliveira, do Beertaste (o local das cervejas do mundo no Shopping Cittá America), estava me convidando para degustar um exemplar da sua coleção pessoal.
Degustando a Cantillon
Eu podia escolher entre a Kriek (em cuja receita são adicionadas cerejas) e a Framboise (que não me chamou a atenção naquele momento). Impossível não pensar no sabor da Belle-Vue Kriek, uma outra Lambic que apareceu pelas terras brasileiras com sabor bem interessante. Porém uma Cantillon é uma Cantillon, a essa altura já tinha lido muitos adjetivos como: adstringente, rascante, azeda, horrível, salgada, aroma de tomate mofado, etc. Coisa de maluco, portanto, tinha que experimentar.
Meio pint de Guinness abriu a tarde (cortesia da maquina de chopp que travou e trouxe ao mundo um balde esperando ser consumido), enquanto a Cantillon atingia a temperatura adequada num balde com bastante gelo. Quando a garrafa chegou eu pude ler as palavras “Lou Pepe 2002”, que é a designação para as melhores Cantillons daquele ano. Não esperava tanto. Abrindo a tampa de metal descobrimos uma rolha escondida, fato bem curioso. Um bonito liquido rubi desceu até as taças, formando um pouco de espuma rosada. O aroma era bem interessante, com um toque de frutas. Eis que eu dei o primeiro gole.
O gosto é absolutamente incomum, de forma que atiça todos os centros de degustação da língua, principalmente os de acidez, e nada que lembre cereja (fico pensando como seria a Gueuze, que é pura). O segundo gole começa a mostrar a personalidade da cerveja e o terceiro lapida a opinião: é azeda, com pouco gás e álcool, incrivelmente complexa. Começa ai um jogo: sera que estou sentindo gosto de pera? de tomate? sera salgado? É muito difícil definir. Uma cerveja normal estamos acostumados a apreciar conforme o seu estilo mas a Cantillon joga sujo, por assim dizer, pela sua complexidade. Ao fundo, B.B. King tirava notas que completavam a cena.
Conforme a degustação foi evoluindo e a boca se acostuma aquela “agressão”. A bebida tem um frescor interessante, uma cor linda, uma presença de frutas, nada que lembre uma cerveja. A cevada assumiu outra personalidade, num passe de magica. Parece um vinho, com um corpo adstringente e vivo. A medida que chegava ao fim uma grande quantidade de partículas em suspensão apareciam (tentamos coar mas não foi algo bem sucedido), deixando o paladar mais “irritado”.
A Experiência foi concluída com sucesso
Dizer que é ruim é um exagero descabido: apenas não temos nada semelhante no dia a dia para experimentar e traçar um similar. É uma experiência engarrafada, que serve para expandir os horizontes. Fico imaginando a vida que os belgas no passado tinham para elaborar tantos tipos de cervejas diferentes e complexos porém o que leva alguem a fermentar uma cerveja com o ar, por assim dizer? E que deixa saudades, acima de tudo.
Eta complexidade gostosa, acima de tudo 🙂
Aquele abraço.