Em momentos que estamos bebendo em tempos de isolamento, tudo fica completamente diferentes, seja pensamentos, comportamento e afins. Vamos debater?
- O que você fez na noite passada?
- Fiquei bêbado, bebendo em tempos de isolamento
- Como assim? Para onde você foi?!!
- Eu não fui a lugar nenhum. Eu bebi em casa.
- Você fez uma festa em tempos de isolamento?! Tá maluco? Quem foi?
- Ninguém. Fiquei bêbado sozinho.
- Não brinca? O que há de errado, cara? Você quer falar sobre isso?
Sim, eu quero falar sobre isso. Não sobre o que meu amigo assumiu erroneamente que eu estava indo para festas durante o isolamento, ou que achou estranho e presumiu que há algo errado pelo motivo de eu beber sozinho, mas do próprio ato de beber sozinho em si.
Por algum motivo, que não sei bem o qual, as pessoas têm a ideia de que beber sozinho é um sinal claro de que a pessoa está prestes a dar um próximo passo para algo mais sombrio ou sinistro: depressão? suicidio? ambos?
Analisando de forma superficial talvez até faça sentido, afinal, o álcool é o melhor lubrificante social, que torna qualquer reunião solta e amigável. Estranhos se tornam amigos, amigos se tornam panelinhas e panelinhas se tornam motivos para encontros e reuniões regados de bebida. É o vínculo de ouro que o conecta com a maioria de seus amigos e conhecidos.
Quando estamos bebendo em tempos de isolamento…
Beber sozinho, por outro lado, é uma forma de beber muito mais pura e direta, e digo isso porque se concentra inteiramente no simples ato de colocar álcool na corrente sanguínea. Afasta todas as pretensões sem entusiasmo de simplesmente usar o álcool como uma ferramenta social. Tudo se resume ao que é beber: ficar “no brilho” e, ao fazer isso, descer ao seu interior. A alegria interior, a loucura interior, o seu subconsciente, o verdadeiro você.
Agora, existem aqueles que abominam a própria idéia de passar um momento consigo mesmos. Coloque-os em uma sala silenciosa por cinco minutos e eles irão pegar o telefone ou ligar a TV. Por que essas pessoas gostariam de sair com o seu eu interior?
Essa entidade é, para todos os efeitos, um estranho e, pior, um estranho que conhece todos os seus segredos mais profundos, sombrios e terríveis.
É exatamente por isso que você tem que deixar esse seu eu sair, porque mais cedo ou mais tarde esse bastardo se voltará contra você. Quanto mais você o mantiver trancado sozinho, mais estranho ele ficará, e ele acabará se manifestando como um colapso nervoso ou um comportamento muito autodestrutivo.
É aí que o seu velho amigo entra em cena. O álcool pode te ajudar a fazer amigos, a ser mais sociável, mas você também sabia que ele é igualmente bom em abrir linhas internas de comunicação? Liberte o seu eu interior. Um lugar tranquilo, sem predadores e presas. Conheça ele. Você pode se surpreender.
Encontre o seu lugar de solidão
“Então fiquei na cama e bebi. Quando você bebe, o mundo continua lá fora, mas nesse momento ele não está te pegando pela garganta. ”
Charles Bukowski
Assim como é quase impossível escrever qualquer coisa que valha a pena ler enquanto alguém olha por cima do seu ombro, é quase impossível tocar no seu subconsciente enquanto bebe na companhia de outras pessoas. O que é uma pena, porque nunca a mente subconsciente é mais lúcida e disposta a falar do que quando você está bêbado.
Sem TV, claro
Então, encontre seu espaço tranquilo. Reduza a iluminação e desligue o telefone. E, pelo amor de Deus, desligue a TV. Essa caixa do mal é a antítese do pensamento interior, é um esnobe tagarela que nunca para de se gabar e não escuta ninguém; é expressamente projetada para roubar sua atenção e direcioná-lo para suas próprias necessidades mesquinhas. Desligue-a!
Escolha o seu local em casa
O meu lugar preferido é a minha varanda. Ela é arejada e tem uma vista legal. Arrumo minha mesinha redonda, me acomodo no meu banquinho de madeira e começo a minha viagem pelo meu eu interior.
Embora eu tenha dito que você deve estar em um lugar silencioso e calmo, não significa que você não pode ter música para definir o clima.
A trilha sonora do isolamento
Na minha opinião, a única coisa melhor do que ouvir música é ouvir música com um copo de bebida na mão.
Escolha as suas músicas preferidas, mas sugiro que você não escolha músicas muito animadas, tipo aquelas que você escuta no bar ou na balada. Música lenta e melódica, até nostálgica é a melhor escolha. Tente músicas mais calmas e com letras que você se identifica, que te dizem algo. Isso vai te ajudar a se conectar com o seu eu interior.
Escolha seu moderador
Eu vou sempre de cerveja. Quando estou demorando muito a entrar em contato comigo, tomo algumas doses de Jager. Mas você pode beber o que quiser. Dê preferência para bebidas que você realmente gosta. Vinho? Whisky? Cerveja? Lícor? Não importa, desde que a bebida escolhida esteja te relaxando.
Faça amizade com a sua bebida
Depois de três ou quatro doses ou garrafas da bebida que você escolheu, você começará a perceber que há vantagens claras em beber sozinho, a saber:
Você é o barman.
Beber sozinho significa que você pode beber exatamente o que deseja. Vamos admitir, o que bebemos em público não é necessariamente o que realmente queremos beber. Existem normas sociais a serem seguidas, reputação a ser mantida, amigos a impressionar.
Você controla o ritmo.
Quer beber mais? Beba! Não vai ter ninguém para dizer que você já bebeu demais. A garrafa na sua frente nunca diz não. Apenas sim, sim e sim!
A bebida tem um gosto melhor.
Leia um bom livro sozinho, em um lugar calmo, e você absorverá e entenderá a beleza de uma frase perfeitamente redigida. Leia em uma sala lotada e barulhenta e você vai não vai entender nada.
O mesmo vale para beber. Não há distrações para desviar sua atenção. Você notará a vasta variedade de sabores e aromas. Você perceberá profundidades de gosto ocultas em um coquetel ou em uma cerveja especial.
Mostre-me alguém que esteja bebendo sozinho, sem nenhum desejo de procurar companhia humana, e mostrarei um bêbado que realmente gosta de álcool.
A garrafa não fala pra caralho.
Um dos maiores prazeres da vida é um silêncio confortável entre amigos. Você sabe do que estou falando: você está tomando uma bebida tranquila à mesa com um velho amigo, e vocês dois não sentem absolutamente nenhuma necessidade de conversar. Há um bom entendimento de que nada precisa ser dito, você apenas senta e se delicia com a companhia um do outro.
Mas nem tudo são flores…
Infelizmente, esses momentos são poucos e distantes. Hoje em dia, temos tanto medo que a outra pessoa pense que somos chatos que começamos a procurar assuntos para que flua algum tipo de conversa.
Tudo bem. Quando você está na cia de muitos amigos, ou em um bar, conversas surgirão, e é muito maneiro. Mas que fique claro: nesses momento você não se comunicará com o seu eu interior. A vibe é outra.
Conheça o seu interior
Após cerca de cinco doses, o eu interior vai começar e se sacudir. Deixe ele sair.
Examine o seu belo sorriso. Observe o brilho em seus olhos. Sinta seu coração leve.
Não parece um pessoa tão ruim, né? Apresente-se. Sirva uma bebida.
Prazer, eu sou você mesmo…
É agora que você saberá quem ele realmente é: você sem restrições sociais. Ele é você sem a preocupação do que as outras pessoas pensam. Ele é o que você quer ser, não o que seus pais, amigos, amante, chefe e Deus querem que você seja.
Depois de mais algumas rodadas, um calor intenso se instalará em você enquanto o álcool aumenta sua auto-estima. Nesse ponto, você começará a pensar: caramba, que pessoa legal!
Entenda que essa é a pessoa que ficou com você a cada passo do da sua vida, nos altos e baixos, nas vitórias e nas derrotas. Ela te conhece em seu íntimo. Todo esse tempo você esperava que todo mundo estivesse assistindo, e sempre foi você, olhando de dentro para fora o tempo todo.
A hora da viagem…
Mergulhe na nostalgia. Todo mundo adora uma boa história e seu eu interior se lembra de todas. Divirta-se com todas as coisas boas que você fez, ria dos erros que cometeu. Perceba que cada passo em falso da sua vida o levou sem cessar a esse momento primitivo: beber com o melhor amigo que você já teve ou terá.
Não tenha medo de se emocionar. Na multidão, é improvável que você siga seu próprio caminho emocional. Agora você pode sentir como quiser. Rir. Chorar. Faça o que você quiser.
Se você se sentir constrangido ou tolo, faça uma pausa e lembre-se de que é seu único público. Quem vai contar sobre você? A garrafa? Não. Eu conheço a garrafa, e a garrafa não está falando.
À medida que você mergulha mais fundo dentro de si mesmo, começará a sentir uma estranha sensação de completude, e esse é o ponto.
Antes de sua jornada interior terminar, verifique exatamente o que você fez. Olhe-se no espelho. Você construiu laços e aliou-se à única pessoa que determinará mais do que qualquer outra pessoa no planeta se você estragará ou realizará seus sonhos.
De manhã, você pode não se lembrar muito de sua aventura, mas tudo bem: seu subconsciente nunca esquece. E um estranho que realmente gosta de você é um aliado muito poderoso, porque ele vai ajudá-lo quando você menos espera. Da próxima vez que você for encontrar a sua galera, pós isolamento, olhe para a sua bebida, seu espelho secreto, e pense: “Ei, velho amigo. Lembra do nosso tempo de silêncio juntos? Lembra dos pensamentos que compartilhamos? Nos encontraremos novamente no caminho. Só você, eu e a garrafa.”
Créditos da foto de capa: In Lieu & In View Photography