O Destino Abunda – Capítulo 9

A XP Investimentos me quer como garoto propaganda. A moda agora é escolher pessoas sem senso de moral para investir. “É esse tipo de investidor que a gente quer atrair” – diz um dos homens da reunião. Olha… parece meio marxista essa frase, mas é verdade. O investidor brasileiro não tá preocupado com regras ou limites. Ele queria o dólar mais barato e juros mais baixos. Ganhou metade disso com o atual governo.

Mas não tem problema! A XP me oferece não só um contrato como garoto propaganda, como também me sugere publicar os folhetins por uma das editoras que eles investem. Eu sou duas vezes lucrativo: 1- fazendo propaganda; 2- vendendo livros pra eles.

Quem tá no mercado não joga pra perder e a gente meio que vive nessa regra. Eu, por exemplo, não costumo ganhar. Por isso sou botafoguense. A gente se diverte só com o fato de poder jogar. Vencer é um sonho impossível que a gente não desiste de viver. Poderia dizer o mesmo sobre a minha carreira. Se eu conseguir pagar minhas contas, já tá valendo. Se eu vou me tornar o Romero Britto ou Di Cavalcanti é outro passo.

Topei, vamo que vamo

Óbvio que eu topo. Assino o contrato com a XP sem ler as entrelinhas. É como se você fosse um jogador de futebol chamado pra jogar num time que disputa um título internacional. Nem importa estar em campo. Se eu posso estar na foto do time campeão, qual o problema de não ter o maior salário?

A gente brinda com um uísque e eles já possuem uma empresa de propaganda que fará meus vídeos. Para meu deleite (pra não dizer o oposto) quem vai coordenar a minha carreira é Evandro. Meu ex-chefe. Que entra em sala um soco inglês armado.

Pelo contrato eu sou obrigado a fazer a campanha que ele quer e o tema da campanha é o oposto do que publiquei na minha coluna essa semana: “SE TODO MUNDO É UM VENCEDOR, QUEM É QUE PERDE?

Fiz uma coluna sobre coaching e essa mentalidade de que basta o esforço para conquistar seu espaço. Esse papo de resiliência no trabalho não cola comigo. 99% das pessoas nasceram pra mediocridade. Eu tô tendo a minha oportunidade de ser alguém e ainda estou longe de conseguir isso.

Na campanha da XP eles alegam que todos conseguem lucrar. Mas pra todos lucrarem, alguém tem que sair no prejuízo, né? Alguém tem que perder dinheiro para o outro ganhar. Imposto é tipo isso, mas pelo menos o imposto tem um destino supostamente mais nobre. Lucro é pro bolso de alguém que não costuma ser o meu.

– Mas dessa vez todos aqui saem ganhando. – diz Evandro sorridente com todos os dentes.

É verdade. Numa sala com vinte pessoas, a única pessoa mulher e negra é a copeira. Eu fico nesse discurso bonito, mas na real faço parte do privilégio. Estar aqui é lutar pelo meu direito de ser privilegiado. Será que o papo foi o mesmo com o Huck quando ele fez propaganda pra XP?

– O vencedor não pode ter culpa na vitória! – diz um cara da XP, desses com cara de Faria Limers.

Finalizando…

Evandro sorri como se fosse me estuprar e dessa vez a culpa é minha mesmo. Eu me insinuei pra esse meio e caí como trouxa no golpe. Ele tem a cara da vingança. Eu só queria ser independente, mas pra escrever a gente precisa agradar leitor, editor e patrocinador. Escrever ficção é mais difícil que peça publicitária. Mais fácil vender absorvente pra homem que colocar meus contos numa publicação. E dei essa volta na vida pra terminar trabalhando pro mesmo cara?

Meu sonho de ser escritor agora depende das escolhas de um publicitário que me odeia.