O Destino Abunda – Capítulo 1

Reconheço meu lar pelo cheiro. Cerveja, cigarro e maconha. O futum do fracasso me dá conforto. Dormi no chão da sala e eu não sei o motivo. Aparentemente apaguei assistindo Cartoon Network. Bem meu tipinho. Faço merdas de adulto com maturidade de moleque. 

Aos 35 anos, toda ressaca é um aperitivo da morte. O sabor de ontem, de cigarro e desidratação. Até onde lembro: gim, vodka, uísque e cerveja. Pelo retrogosto, tem mais coisa aí e água da CEDAE. O sol invade a sala e me levanto pra fazer sombra. Suado e ainda de roupa, só posso dizer que ontem foi memorável, apesar de não ter lembranças.

O celular está sem bateria. São dez da manhã. Hoje é quarta. Estou atrasado, mas esse é um estado comum. De roupa adentro o chuveiro frio e vejo uma água colorida sair de mim. Caralho! Eu pintei o cabelo?! Pera aí! Por que eu tô de moicano?! Cadê a minha barba?! A água tem glitter e eu colei a minha cueca em mim com o que parece ser cola quente. Cadê a minha carteira?!

Acordar de ressaca, sempre, se desesperar, jamais…

bêbado de ressaca com a barriga desenhada

Nunca acordei em estado tão deplorável, mas sabe o que aprendi com anos de erro? Não desesperar. Muita calma e perguntas no Google. Estamos em 2020 e meu computador é de 2007. Imagina como ele demora pra carregar uma página. Eu só uso o computador pra escrever e ver pornografia. Eu poderia viver na escrivaninha fazendo meus textos doidos e batendo punheta. Fica a dica pra quem quiser me patrocinar.  

Com acetona eu tiro a cola. O cabelo vai ficar assim mesmo. No fim do dia eu raspo a cabeça. Puta merda. Já me vejo com a cara do Tio Fester Addams. Gosto mais do meu look Otto após perder Alessandra Negrini: gordo, peludo, largado, talentoso como nunca e doidão como sempre.

O celular não carrega. Calça jeans, camiseta e All-Star – uniforme de agência de publicidade. Passo no banco e pego o dinheiro usando minha digital. Tarefa difícil. Tô tremendo. Sempre que bebo energético em excesso fico assim. Minha conta tá quase zerada. Normal. Só uma coisa rouba mais dinheiro que banco: o vício. E eu tenho muitos.

Partiu agência…

Faço o sinal e entro no táxi. Desço a Teodoro da Silva na direção da Avenida Rio Branco. Essa corrida da Zona Norte para o Centro é cara, mas eu não tenho condição de pegar um metrô. Parece que meu corpo passou por um moedor de carne e foi remontado pelo Romero Britto.

Desço na altura da Carioca. O chão está tomado com fotocópias de uma bunda. Parece que alguém fez xerox da própria bunda mil vezes e jogou pela janela. Sem tempo pra pensar sobre isso, sigo meu rumo. Com passos apressados entro no prédio onde trabalho. Sem carteira, não tenho o crachá pra catraca me liberar. O segurança, que sempre me vê, finge que não me conhece e pede documento. “Perdi a carteira, irmão”. Mas ele é filho único. Após muito pedir, ele interfona pra agência e minha entrada só é autorizada com a presença de dois seguranças.

Assim que saio do elevador vejo os funcionários da limpeza carregando a máquina de xerox com luvas e máscaras de proteção. Essa cena é tão estranha que demoro pra perceber que a empresa parece um cenário pós-apocalíptico. O que foi que aconteceu aqui? O arrepio sobe a espinha, suo frio e sinto uma pontada no intestino. O nome disso é medo. Será que fui eu?

Eis que…

chefe revoltado

Irado e nitidamente sem dormir, meu chefe, Evandro, surge com a delicadeza de um hipopótamo sob efeito do crack e gritando na minha direção:

– Eu não acredito que você teve coragem de voltar aqui, seu merda!

Eu acordei no chão da sala e com a cueca colada na pele. Quem é esse playboy pra gritar comigo? Sabe o que nunca aprendi com meus erros? A pedir desculpas. Quando Evandro chega perto de mim, dou um soco tão forte na cara dele que o playboy despenca como um Vitor Belfort. Eu nem sei o que tá acontecendo, mas não vou engolir esse esporro. Como todo homem babaca, eu sou orgulhoso. Faz-se um silêncio e eu não posso ficar calado:- Ninguém vai me explicar o que fizeram com a máquina de Xerox?!

Créditos foto da capa: thom masat on Unsplash

Veja os outros capítulos:

https://www.papodebar.com/o-destino-abunda-capitulo-2/