“Quem se define, se limita” é uma clássica frase para quem usa apps como Tinder. Armando conta como foi seu encontro com uma delas.
“Quem se define, se limita”
Quantas pessoas usam essa frase? Primeiro lugar: quem escreve “quem se define, se limita” está sim se limitando. Uma pessoa adepta de clichês não é das mais criativas. Pior ainda é copiar uma frase que tantos outros usam. Sendo assim, você não só se limita como se coloca em um lugar comum, não se diferencia.
No meu perfil eu escrevi o básico: “Carioca, escorpiano, roteirista e escritor. Todo o resto é mentira. www.armandomoya.com”. Tudo aí faz um sentido: carioca diz muito sobre minha marra e meu estilo de vida; escorpiano traz informações às mulheres que entendem de signo; roteirista vende a ideia de que vivo num glamour; escritor faz de mim artista; “todo o resto é mentira” é uma armadilha para reforçar qualquer lado misterioso que eu tenha; e o meu site pessoal traz alguns textos nada humorísticos.
Assista também:
- 50 Tons de Tinder – Apresentação
- 50 Tons de Tinder – Encontro 1
- 50 Tons de Tinder – Encontro 3
- 50 Tons de Tinder – Encontro 4
- 50 Tons de Tinder – Encontro 5
Tento me colocar em um lugar diferente, me destacar da multidão e mostrar que eu não sou só um corpinho feio. Sou criativo, tenho sentimentos, sou malandro dentro do possível e invisto numa carreira. Melhor do que colocar a foto de um bíceps malhado, um tanquinho sarado ou numa lancha, não?
NÃO! NÃO MESMO!
O gordinho, o baixinho e o feinho não possuem chances. Num local onde as pessoas afirmam que procuram mais que uma imagem, você é descartado pela beleza/feiura exterior. E foi isso o que aconteceu com a 2. A conversa pelo celular era maravilhosa, nosso encontro…
Créditos: Frits de Beer
Marcamos no mexicano da Cobal do Humaitá. Porém, existem dois restaurantes com esse tema no local. Ela foi no mais famoso e eu fiquei no mais alternativo. Só aí você já percebe nossas diferenças. Quando estou prestes a desistir, achando que ela tinha me dado um bolo, 2 me manda uma mensagem dizendo que estava no mexicano mais famoso. Respirei fundo e fui. Logo que ela me vê chegando ao longe, 2 expressa toda a sua insatisfação ao me ver:
- – Pensei que você fosse mais alto. – ela já mete uma faca no meu coração na primeira frase
- – Sério?!
- – Pelas suas fotos, achei que fosse grandão, tipo aquele cozinheiro ogro do Mais Você!
- – Já trabalhei com ele, sabia? Gente finíssima!
- – Mas você conhece a Ana Maria Braga?! – ela me pergunta animadíssima!
- – Não.
- – E o Louro José?! – mais animada ainda
- – Você sabe que ele é só um fantoche, né?
Após minha pergunta, 2 fecha a cara como se eu fosse o maior idiota do mundo. Ela me olhou com a cara que dizia em letras maiúsculas “EU SEI QUE O LOURO JOSÉ É UM BONECO!”. Tudo bem, esse meu lado sarcástico e carioca não é sempre bem aceito. Ela é do Centro Oeste do Brasil e deve tá acostumada com Jorge & Matheus, não com Cidinho e Doca; ela curte Gustavo Lima e eu MC Magalhães. Somos opostos mesmo que com um link comum: a cultura pop de nossos estados.
- – Diga mais sobre essa paixão por sertanejo universitário.
- – Você não gosta, né?
- – Na verdade, sertanejo é minha kriptonita. Sempre que ouço, enfraqueço e quase morro de tédio e ódio.
- – Eu adoro sertanejo. – outra facada no peito
- – Mas podemos mudar de assunto. E o seu Flamengo? Superou essa barra que é perder o Léo Moura?
- – Futebol? Você jura que vai falar sobre isso? – outra facada no peito
- – Você quer beber algo?
- – Uma michelada.
Cerveja, sal, limão e gelo? Sério que alguém realmente bebe isso? 2 bebe! E com gosto! Ela agarra a caneca e dá um pequeno golinho. Com a velocidade da sede, ela vai demorar uma hora pra terminar a caneca. Na minha frente, uma cerveja long neck de marca boa.
- – 2, você é bem calada, né?
- – Sou tímida.
- – Então eu vou ter que quebrar essa timidez pra nossa conversa render. – estou perdido, não sei como agir diante de tanta falta de vontade.
- – Você pode tentar, mas não acho que vai conseguir.
Desisto. 2 pode ser tímida, mas não me ajuda. Esse silêncio e as respostas pouco desenvolvidas e elaboradas exterminam qualquer possibilidade de conversa. Ela externa de maneira bem clara a falta de vontade em conversar comigo. Eis então que eu começo a conversa num tom mais presunçoso. Nem olhar pra mim 2 olha. Se for pra me fazer sentir mal com minha altura e peso, vou devolver em moeda parecida:
Créditos: Michael Schneider
- – Você disse que adora ler biografias. Já leu a biografia de alguma mulher?
- – Tô lendo o Diário de Anne Frank. – ela responde olhando para o infinito
- – Tô falando de biografias mesmo. Existe alguma mulher que você admire?
- – Mulher? – finalmente os olhos dela encontram os meus – Acho que nenhuma.
- – Esse é o meu ponto, 2. Você se considera feminista? – ela pensa bastante e diz que não com a cabeça – Esse é o meu ponto.
- – Não estou entendendo.
- – Esquece isso. Você por um acaso é Mangueira?
- – Sou.
- – Mangueira, Flamengo, Sertanejo Universitário… muito lugar comum, né? O que eu lhe ofereço? Boi Tolo, Botafogo, Rock Psicodélico e o fim do tédio.
- – Vamos pedir a conta, Armando?
Pedimos a conta. Eu pago a porra toda sozinho. Levo-a até o ponto de táxi. Dois beijinhos por educação. Antes de partir, 2 não esquece de estocar a última faca no meu peito:
- – Você tinha que ser menos marrento e preconceituoso.
Abaixei a cabeça e engoli seco. 2 estava certa: eu a defini dentro dos meus limites preconceituosos.